Apresentação

O Forlibi surgiu da necessidade de unir as línguas brasileiras de imigração com o objetivo de instaurar um diálogo permanente entre estas comunidades linguísticas, e se propõe a ser um espaço de pesquisa, mediação e articulação política em variadas frentes para o fortalecimento das mesmas. Reunindo falantes e representantes das línguas de imigração e de instituições parceiras, tem como propósito delinear ações coletivas para a promoção das línguas nas políticas públicas em nível nacional.

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Em cena, o documentário do IPOL sobre línguas, receitas e memórias

Mosaico com imagens captadas para o documentário do Projeto “Receitas da Memória, os sabores da imigração em Documentário” - Peter Lorenzo/IPOL (clique na imagem para ver esta e as demais ampliadas)

A equipe do Projeto Receitas da Memória, os sabores da imigração em Documentário (IPOL) esteve na região do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, na primeira quinzena deste mês. Peter Lorenzo, do IPOL, e a repórter Darya Goerich visitaram comunidades de falantes de ascendência alemã, italiana e polonesa, nos municípios de Blumenau, Timbó, Indaial e Rio dos Cedros.

Darya Goerich entrevista Elizabeth Germer em Timbó-SC – Foto: Peter Lorenzo/IPOL

Segundo Peter Lorenzo, “os encontros com os entrevistados geraram momentos nas entrevistas e situações de uso das suas respectivas línguas de imigração em diálogos e conversas com muitas histórias recheadas de alegria, choro e saudade”.

O Arquivo Histórico de Blumenau também recebeu a equipe do projeto, que registrou alguns documentos originais como passaportes, cartas, certidões de nascimento, dentre outros.

Jaqueline e Ana Julia, aprendem o uso dos instrumentos bandoneon e gaita estimuladas pelo avô Geraldo Viebrantz – Foto: Peter Lorenzo/IPOL

O Projeto Receitas da Memória, os sabores da imigração em Documentário, convênio financiado pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – e executado pelo IPOL, através de Edital PNPI/2013, prevê a realização de um documentário, este já em avançada fase de produção, que abordará o caminho de sabores e memórias da imigração em Santa Catarina, apresentando ao público brasileiro a história de imigrantes e suas referências identitárias.

Culto em língua polonesa na Igreja Nossa Senhora das Dores, comunidade Treze de Maio Alto, Vila Itoupava, Blumenau – Foto: Peter Lorenzo/IPOL

A condução do documentário pretende dar relevância a aspectos da história, da memória e da língua dos imigrantes, tendo como fio condutor aspectos da produção de alimentos – agricultura e receitas culinárias – com o objetivo de refletir sobre a história na perspectiva do grupo de imigrantes. Procura-se, desse modo, contribuir para a promoção das comunidades de imigração, dando sustentabilidade às suas práticas culturais e linguísticas.

Mosaico com imagens captadas para o documentário do Projeto “Receitas da Memória, os sabores da imigração em Documentário” - Peter Lorenzo/IPOL

Fonte: e-IPOL

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Inventário irá promover língua pomerana em nível nacional

Foto: Leonardo Meira

Inventário irá promover língua pomerana em nível nacional

Leonardo Meira

Com um trabalho intenso, de mais de 10 anos, a língua pomerana finalmente será reconhecida no Inventário das Línguas Brasileiras. Bastante discutida, debatida e avaliada, a proposta foi uma das 20 selecionadas no Edital de Chamamento Público do Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, do Ministério da Justiça. 

O Inventário da Língua Pomerana (ILP) se alinha à Política do Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL), desenvolvida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e toma por base o Guia para Pesquisa e Documentação, que orienta essa política. 

Sua concepção e proposta de execução é parte de uma parceria que vem se consolidando desde 2007, e que envolve o Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística (IPOL), sediado em Florianópolis, Santa Catarina, e instituições e pesquisadores do Espírito Santo, estado onde estão concentradas as comunidades pomeranas focalizadas na proposta. 

Mas o que isso quer dizer? Quer dizer que o pomerano, inicialmente no Espírito Santo, será legitimado como uma das línguas inventariadas nacionalmente, assim como já acontece com as línguas guarani mbyá, talian e asurini do trocará, reconhecidas como referência cultural brasileira pelo Iphan e que fazem parte do INDL. 

A linguagem dos pomeranos já é reconhecida como patrimônio cultural pela Constituição do Espírito Santo e também é língua cooficial em cinco municípios do Estado: Santa Maria de Jetibá, Domingos Martins, Vila Pavão, Pancas e Laranja da Terra. 

O trabalho de inventariar a língua pomerana reunirá conforme a metodologia do INDL, informações sobre a situação sociolinguística atual das comunidades pomeranas, dando especial atenção aos âmbitos de uso e formas de circulação da língua, fotos, mapas, documentos históricos, cultura, entre outras formas de pesquisa. 

O corretor Lourival Berger colocou-se à disposição para contribuir com pesquisa - Foto: Leonardo Meira

Parcerias - Será um trabalho coletivo, em parceria com o IPOL, prefeituras, associações, instituições de pesquisa entre outros. A professora Sintia Bausen Küster, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), que está envolvida no projeto, ressalta que a iniciativa do ILP configura apenas uma etapa do trabalho de inventário da língua pomerana, que nesta primeira empreitada abarcará em torno de 13 municípios de maior presença pomerana no Espírito Santo.

Posteriormente, segundo ela, poderá agregar dados de outras regiões do Brasil que também possuem falantes do pomerano. Sintia salienta ainda que assim que o financiamento estiver à disposição, será formada uma equipe de trabalho que envolverá atores locais, ou seja, das próprias comunidades, especialmente falantes. 

É o caso do senhor Lourival Berger Bausen, de 63 anos, um corretor de imóveis, apaixonado pela história e tradição pomerana e que já se “voluntariou” para participar da pesquisa. “Esse projeto é extremamente necessário. Não vamos desaparecer do mapa. Ao contrário, vamos existir, aparecer, nos mostrar para o mundo. Não precisamos ter medo de sermos pomeranos. Precisamos nos orgulhar. Nós existimos”, poetizou Bausen. 

Ele lembrou que a história dos pomeranos quase acabou após a 2ª Guerra Mundial e que, somente ao final dos anos 1980 é que a cultura pomerana foi resgatada. O ILP, através da pesquisa e da disponibilização de conhecimento sobre a mesma, salvaguarda ações de promoção dessa língua na educação, nas artes, na cultura, nas ciências, nos direitos linguísticos e se torna referência cultural brasileira. 

“Essa proposta do Inventário vem em um momento de grande importância no cenário de legitimação da língua pomerana no Espírito Santo, uma vez que já existem outros municípios cooficializados por meio de lei municipal e estadual”, afirma Sintia. 

O Espírito Santo é referência na língua pomerana, mas o idioma também é falado em pequenas comunidades de outros estados brasileiros, como Minas Gerais, Rondônia, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Fora do Brasil há relatos da língua pomerana nos Estados Unidos e também na Austrália. Na Alemanha, a língua, hoje, é praticamente desconhecida. 

Língua pomerana é ensinada em escolas da região
Um dos projetos que visa manter viva a língua pomerana entre os filhos de descendentes é o Programa de Educação Escolar Pomerana (Proepo). Sintia Bausen Kuster, que já foi coordenadora Proepo em Santa Maria de Jetibá, ressalta que o programa, que vinha sendo discutido desde 1991 e passou a funcionar a partir de 2005 nas escolas municipais, foi um dos grandes impulsionadores da tradição e vivência da língua pomerana. 

“Acredito que sem o ensinamento da língua nas escolas essa referência de identidade cultural poderia acabar. Assim como o projeto do inventário, o Proepo vem de uma discussão e debates de longa data por defensores e estudiosos, justamente quando se percebeu que a língua pomerana poderia perder sua identidade. Por isso corremos atrás desse objetivo de manter a língua viva, e inventariá-la significa produzir conhecimento sobre a mesma e reforçar todo o trabalho que já vendo sendo realizado por diferentes instituições, pesquisadores e militantes no intuito de garantir a sua vitalidade”, enfatizou. 

Além de Santa Maria de Jetibá, moradores de Domingos Martins, Pancas, Vila Pavão, Laranja da Terra, Itarana e Afonso Cláudio utilizam a língua no dia a dia das comunidades e nas escolas. "Desde pequenas, as crianças ouvem o pomerano em conversas dentro de casa. As primeiras palavras são, geralmente, em pomerano. Por isso, é importante manter viva nossa língua materna", diz Guerlinda Westphal Passos, coordenadora do Proepo.

"Antes, as crianças tinham receio de vir à escola, porque, muitas vezes, não sabiam falar o português corretamente. Isso aconteceu comigo. Quando fui à escola não entendia nada em português. A professora perguntou o meu nome e eu não sabia responder. Minha prima me deu uma ‘cotoveladinha’ e, em pomerano, disse: 'Fala seu nome!' Só aí respondi. Hoje, acontece o contrário. O pomerano e o português convivem em harmonia para o bem da nossa cultura", conta a coordenadora, que é professora e descendente de pomerano. 

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Livro “Receitas da Imigração” será lançado em Blumenau-SC

Cerimônia de lançamento do Livro “Receitas da Imigração”

O livro Receitas da Imigração será lançado em cerimônia especial no dia 19 de março (sábado), a partir das 17:30h, na sede da AMMVI – Associação dos Municípios do Médio Vale do Itajaí, localizada à Rua Alberto Stein n° 466 Bairro: Velha, em Blumenau-SC.

A publicação foi produzida no âmbito do projeto Receitas da Imigração – Língua e Memória na Preservação da Arte Culinária (2011-2014) fomentado pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (IPHAN) através do Edital do Programa Nacional de Patrimônio Imaterial-PNPI/2012 e executado pelo IPOL, o qual focalizou justamente o cenário plurilíngue e multicultural descrito, compondo histórias das imigrações e das comunidades linguísticas da região através da tradição culinária.

O livro ora lançado pelo IPOL é uma edição plurilíngue – em português e em línguas de imigração – contemplando, além de receitas culinárias trazidas, transformadas e realizadas pelas comunidades de imigrantes, também memórias e histórias da adaptação dessas populações na Região do Médio Vale do Itajaí, em Santa Catarina, no sul do Brasil.

Produzida a oito mãos: Ana Paula Seiffert, Mariela F. da Silveira, Peter Lorenzo e Rosângela Morello, a publicação sai pela Editora Garapuvu e conta também com a inestimável participação de falantes das línguas de imigração que compartilharam nas entrevistas do Projeto, além de receitas consideradas fundamentais no estabelecimento dos imigrantes na Região, também um pouco da história de vida das famílias.

O material, com textos em português e receitas traduzidas nas línguas de imigração faladas na região abarcada pela pesquisa, a saber, variedades de alemão, polonês e italiano do Vale do Itajaí, será inicialmente distribuído gratuitamente às comunidades envolvidas e aos parceiros.

O que é?
Lançamento do livro Receitas da Imigração

Onde?
Sede da AMMVI – Associação dos Municípios do Médio Vale do Itajaí
Rua Alberto Stein n° 466 Bairro: Velha – Blumenau – SC

Quando?
19/03/2016 (sábado) a partir das 17:30 horas


Fonte: e-IPOL

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Abertas inscrições para as oficinas do projeto “Línguas de imigração como patrimônio: (re)conhecendo a diversidade linguística no sabor da herança culinária”

Clique na imagem para ampliar.
Inscrições Abertas!
Oficinas do projeto “Línguas de imigração como patrimônio: (re)conhecendo a diversidade linguística no sabor da herança culinária”

O Projeto, contemplado pelo edital Elisabete Anderle de estimulo à Cultura 2014, prevê a realização de três oficinas objetivando promover a educação patrimonial com destaque ao cenário plurilíngue e multicultural e às histórias das imigrações e das comunidades linguísticas da região através da culinária.

As oficinas, ofertadas gratuitamente, serão realizadas neste semestre na Associação dos Municípios do Médio Vale do Itajaí (AMMVI), em Blumenau-SC nos dias 19/03, 09/04 e 14/05/2016. Acesse aqui o formulário e faça já sua inscrição, as vagas são limitadas.

O que é?
A oficinas do projeto “Línguas de Imigração como Patrimônio: (re)conhecendo a diversidade linguística no sabor da herança culinária”

Onde?
Sede da AMMVI – Associação dos Municípios do Médio Vale do Itajaí
Rua Alberto Stein n° 466 Bairro: Velha – Blumenau – SC

Quando?
Oficina 1 “Diversidade Linguística e Patrimônio” em 19/03/2016
Oficina 2 “Línguas e Imigração no Brasil” em 09/04/2016
Oficina 3 “Línguas e políticas de reconhecimento e promoção” em 14/05/2016

Quem pode participar?
Membros das comunidades da região
(professores, lideranças, comunidade em geral)
Gestores locais
(representantes de Secretaria de Cultura, Secretaria de Educação e de associações)

Tem algum custo e onde se inscrever?
As VAGAS são LIMITADAS, mas as INSCRIÇÕES GRATUITAS. Veja com se inscrever:

Realize já sua inscrição diretamente no endereço:

Ou entre em contato conosco:
E-mail: lingua.patrimonio@gmail.com
Telefone: (48)9122-8517

Fonte: e-IPOL

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Uff Hunsrickisch schreiwe: Entrevista mit Cléo Altenhofen / Escrever em Hunsrückisch: Entrevista com Cléo Altenhofen

O IPOL e o Grupo ALMA-H (Atlas Linguístico da Minorias Alemãs na Bacia do Prata: Hunsrückisch - http://www.ufrgs.br/projalma) da UFRGS iniciaram, em janeiro deste ano, os trabalhos para o Inventário do Hunsrückisch como língua brasileira de imigração, cujo objetivo é reunir um conjunto de informações sobre essa língua visando seu reconhecimento como Referência Cultural Brasileira. A pesquisa será realizada em várias cidades e comunidades dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Espírito Santo.

Cléo Altenhofen - Foto: SWR.de
A execução desse e de outros inventários traz à tona importantes debates sobre a especificidade das línguas brasileiras e seu futuro. Por “línguas brasileiras” compreende-se, de acordo com a política do Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL/IPHAN/MINC), o conjunto das línguas presentes no país há pelo menos três gerações, sejam elas indígenas, afro-brasileiras, de sinais, crioulas ou de imigração.

Entre as questões em debate está a política de produção de escrita ou escritas da língua. Essa é uma questão central para grande parte das línguas brasileiras e foi fortemente tematizada no I Encontro Nacional de Municípios Plurilíngues, realizado em setembro de 2015, em Florianópolis. Para contribuir com esse debate, e avançar na implementação do INDL, o IPOL e parceiros têm a honra de publicar essa primeira entrevista com o professor Cléo Altenhofen, coordenador do Projeto ALMA-H / UFRGS, sobre as perspectivas para a escrita do Hunsrückisch (pt. hunsriqueano). Prevemos realizar outras entrevistas que serão oportunamente divulgadas.

Ortografia da língua brasileira de imigração alemã Hunsrückisch
Entrevista com Cléo Altenhofen
Por Willian Radünz (Graduando, UFRGS)

1. O Hunsrückisch é uma língua essencialmente falada. Uns diriam que é uma língua ágrafa, que não tem, pelo menos por enquanto, uma escrita definida. O que isso significa para a discussão sobre a “escrita do Hunsrückisch”?

A maioria dos falantes de Hunsrückisch de fato apenas fala sua língua e não a escreve, embora o pudesse, mesmo que só para anotar uma lista de compras do supermercado ou para terminar um e-mail com um “fosche Abrass”. Historicamente, quando se precisava escrever em alemão, por exemplo a ata de uma sociedade de canto, ou uma inscrição em uma sepultura, ou mesmo um ditado em um pano de prato, no caso um Wandschoner, se optava pela escrita em Hochdeutsch. Contudo, não se pode dizer que não há uma tradição escrita em Hunsrückisch. Basta lembrar os contos do Padre Balduíno Rambo, os poemas de Alfredo Gross e de Lily Clara Koetz, livros como o de José Inácio Flach, ou ainda diversos textos avulsos em jornais ou almanaques e revistas, como o Brumbärkalender e o Sankt Paulus Blatt. Eles fazem parte da história da língua Hunsrückisch, no Brasil. Ignorá-los é ignorar sua história e memória. Assim, temos aqui um primeiro princípio, fundamental para mim, ao discutir a escrita do Hunsrückisch: o respeito à sua história e coletividade. A consequência é que não podemos simplesmente inventar uma escrita nova, como se não tivesse havido nada antes. Porque, se quisermos compreender por que o Hunsrückisch é como é, temos que dialogar com a sua história e origem. O Hunsrückisch não foi inventado por nós, e sim herdado como uma construção coletiva de várias gerações.

Fonte: Projeto ALMA-H
2. O grupo do ESCRITHU (Escrita do Hunsrückisch) fez, então, justamente isso: ele analisou os textos já existentes em escrita Hunsrückisch e retirou daí as regras mais comuns ou recorrentes? É isso?

Sim, é isso, mas não só isso. Nós consultamos textos e autores prévios e fixamos a partir daí um padrão de formas de escrita mais comuns. Além disso, o grupo identificou “princípios” que pudessem orientar melhor as decisões sobre como escrever determinada palavra em Hunsrückisch. Além do princípio de respeito à história da língua, que já mencionei, e que nos recomenda considerar a tradição escrita em língua alemã que, consciente ou inconsciente, direta ou indiretamente, faz parte da vida dos falantes, sempre reaparece o debate entre uma escrita fonética ou etimológica. Os defensores da escrita fonética normalmente partem do português, o que é contraditório, porque o português não tem grafia para todos os sons do Hunsrückisch, como o /ch/ em ich. Os defensores da escrita etimológica, como eu, se orientam pela escrita do Hochdeutsch e do português, conforme a origem da palavra. Em alguns casos, há mais de uma opção: por exemplo, você escreveria Wowwe ou Vove? A verdade é que escrever como se pronuncia parece, em um primeiro momento, mais fácil, mas não é algo simples quando se quer estabelecer um padrão de escrita que todos (não só falantes) entendam, porque cada um pronuncia ou ouve de um jeito diferente. E nem sempre um som tem uma grafia clara, assim como nem todos têm as mesmas experiências de leitura. Escrever como se pronuncia pode ser fácil se a finalidade é apenas se comunicar ou comunicar algo como uma anedota. Mas quando se trata de construir uma escrita para uma política de promoção do Hunsrückisch, há muito mais questões em jogo.

Como, então, fixar um padrão que dialogue com a história da língua? A história aparece por exemplo nos nossos nomes. Não por acaso a palavra Schreibname ou Schreibnoome, em Hunsrückisch, enfatiza o caráter escrito do sobrenome. Em Hunsrückisch, dizer “Ich schreiwe mich Schmitt” significa que “meu sobrenome é Schmitt” (literalmente, porém, “eu me escrevo Schmitt”). Assim, um nome como Schneider não pode ser mudado, de uma hora para outra, para uma escrita como xnayda. Se assim fosse, os genealogistas iriam ter muitas dores de cabeça para identificar se se trata da mesma origem familiar, em uma árvore genealógica. Ao mesmo tempo, não se pode subestimar os falantes como incapazes de entender que <ei> se lê com o som de /ai/, quando na própria comunidade há pessoas com Schreibnoome como Klein, Stein, Heinzmann, ou Schneider. Ou que sejam tão a-históricos que não precisem entender textos mais antigos. Escrever e ler não seguem a mesma lógica de falar e nos colocam exigências bem diferentes.

3. Que exigências seriam essas?

Todos vão concordar que a leitura, em Hunsrückisch, é mais fácil do que a produção escrita de um texto em Hunsrückisch. Além disso, ao ler, temos a possibilidade de reler e reinterpretar a partir do contexto o que determinada forma escrita quer dizer. A escrita exige, por outro lado, uma prática maior. Já na fala ou na compreensão oral, não é assim.

4. Qual foi a motivação que desencadeou a proposta de escrita do ESCRITHU? As ideias centrais da proposta estão em um artigo de 2007 que reúne diferentes autores, disponível na página da Revista Contingentia (ver aqui). Correto?

Correto. O interesse primordial do ESCRITHU foi, acima de tudo, criar um padrão de escrita para transcrever os dados coletados pelo projeto ALMA-H (Atlas Linguístico-Contatual das Minorias Alemãs na Bacia do Prata: Hunsrückisch). Ele surgiu, por isso, em um contexto acadêmico, em que também houve estudantes e docentes universitários falantes de Hunsrückisch. Veja a contradição para a noção de "língua de colono". É incrível ver uma língua minoritária representada em diferentes instâncias da sociedade, desde um contexto interiorano de região colonial, até o campus de uma universidade como a UFRGS. Para as finalidades do ESCRITHU, em função dos interesses de pesquisa, não havia, inicialmente, a pretensão de propor uma escrita às comunidades de falantes, apesar de alimentarmos o desejo de submeter essa escrita às comunidades, para fins de reflexão sobre o significado de seus modos de falar.

Fonte: Althenhofen et al. (2007, p. 86)
5. Como o ESCRITHU considerou os interesses dos potenciais usuários da escrita e o fato de haver, muitas vezes no mesmo município, diferentes formas de Hunsrückisch?

Debater a ortografia de uma língua que ainda não possui uma escrita estabelecida é um terreno muito espinhoso e complicado. Não raro, alguns exprimem com tal convicção e emocionalidade sua posição, que fica difícil um debate neutro e objetivo. Não é, por isso, a melhor estratégia promover disputas. Pelo contrário. Uma postura flexível é fundamental nesta etapa do processo. Cada um tem sua própria concepção e posição que precisa ser respeitada, e que bom que reflete a respeito e está aberto a encontrar a melhor solução. A única coisa que, no entanto, cabe recomendar ou propor de fato é que a escrita do Hunsrückisch, como de qualquer língua, precisa se orientar por um padrão mais ou menos compreensivo e considerar diferentes perspectivas em que a escrita é usada na sociedade. Assim, se alguém individualmente escrever determinada forma que julga mais adequada, por exemplo preferir escrever schraive ao invés de schreiwe, tem esse direito e deve fazê-lo, porque é sua convicção que está em jogo. Mas, para fixar de fato um padrão de escrita coletivo, não se pode desviar a tal extremo de um padrão, que desconsidere o princípio do diálogo com a história, as diferentes variedades do Hunsrückisch e áreas de atuação atingidas. Por exemplo, se escrevo Fenschter ou kannscht, estou limitando a leitura a um único tipo de falante e variedade do Hunsrückisch que apresenta mais chiado. Contrariamente, as formas escritas Fenster e kannst deixam ao leitor a possibilidade de escolher se, ao ler, prefere pronunciar o <s> com som de /s/ ou de /sch/. Mas não só isso.

6. Como assim?

Você perguntou como o ESCRITHU considera diferentes usuários e empregos do Hunsrückisch. Como disse, para uma língua para a qual não existe ainda uma prática de escrita regular, é muito importante ter parâmetros que nos ajudem a decidir por que escrever de um jeito pode ser melhor e mais vantajoso, no sentido global, do que escrever de outro modo. Nem sempre se tem já uma resposta clara; nem nós. Será a prática de escrita que irá fixar uma forma ou outra. E nem sempre se pode pensar em um uso particular momentâneo. Para uma necessidade momentânea, como uma lista de compras de supermercado, ou uma anedota, o que eu escrever provavelmente cumpre com a função mínima de se fazer entender. Mas quando se fala em política linguística de promoção do Hunsrückisch é preciso pensar em uma série de aspectos, de usuários e de áreas de uso. É uma decisão com repercussões mais amplas que envolve uma série de questões.

Por exemplo, em um futuro dicionário, por qual verbete os diferentes tipos de usuários vão procurar determinada palavra, no S, de Schneider, ou na letra X, de xnayda? Quem vai ler e quem queremos que nos entenda? São apenas os falantes de Hunsrückisch? Ou também historiadores e genealogistas (em parte, não falantes do Hunsrückisch, mas com certo conhecimento do alemão-padrão) que têm de decifrar cartas de imigrantes em que aparecem trechos em Hunsrückisch? Ou ainda alemães e brasileiros, ou descendentes que querem “reaprender” a língua? Estes possuem normalmente uma familiaridade com uma tradição de escrita baseada no Hochdeutsch. Uma escrita fonética é praticamente indecifrável para esse público-alvo. Considero, por isso, ilusório e contraprodutivo pensar apenas nos falantes e inventar uma escrita desvinculada da tradição escrita em alemão. Para revitalizar o Hunsrückisch e reavivá-lo (ou reaprendê-lo), não podemos nos contentar apenas com os falantes fluentes, que cada vez mais vão se tornar uma exceção. Eu mesmo venho me reeducando a cada dia no Hunsrückisch, redescobrindo palavras como Donnerkeil, que eu ouvia na infância. Portanto, também outros potenciais interessados, como jovens que, quando criança, se negavam a falar a língua e que hoje pensam de modo diferente, são um tesouro incomensurável que não pode ser ignorado. Ganhar a adesão desse público-alvo vale ouro. Afinal, que emocionante seria a sociedade se interessar em conhecer melhor as línguas minoritárias faladas à sua volta! Dar ouvidos é o mínimo que se espera e é uma consideração do mais alto valor e significado.

7. Sabe-se que existem muitos escritos em alemão-padrão em municípios onde se fala Hunsrückisch, desde nomes de ruas, estabelecimentos comerciais ou lápides de cemitérios. Como o ESCRITHU lida com isso?

Eu me ocupo com o tema do Hunsrückisch desde os meus tempos de estudante do curso de Alemão, na UFRGS. Infelizmente, tive oportunidade de aprender a ler e a escrever em Hochdeutsch somente quando entrei na universidade. Eu achava, nessa época, que na colônia só havia o meu “dialeto”. Mas, hoje, eu percebo que não é verdade. O Hochdeutsch esteve presente o tempo todo ao lado do Hunsrückisch: nos sermões do padre, nos almanaques (Jahrbuch der Familie) amontoados na escada que dava para o sótão da casa do meu avô, no canto, nas orações e nos versos orais. Eu só estava confundindo ou pensando apenas no alemão ensinado como língua estrangeira, que muitas vezes fecha os olhos ao alemão local presente na comunidade. Hoje, eu percebo que cada uma dessas variedades assume uma função própria. O Hunsrückisch e o Hochdeutsch, contudo, se complementam e continuam se complementando. Em muitos casos, em localidades que receberam imigrantes tardios, vindos depois de 1850, fala-se um Hunsrückisch, ou um alemão muito próximo do Hochdeutsch, ou alemão-padrão. Fala-se “die Leut veliere kein Taach im Lebe”, ao invés de “die Leit veleere kee Tooch im Lewe”. Não se pode, portanto, achar que o Hunsrückisch é o único fim da educação linguística. Daí uma escrita que serve ao duplo propósito de aprender o Hochdeutsch e o Hunsrückisch. E é essa compreensão que norteia a posição e o padrão de escrita do Hunsrückisch elaborado pelo ESCRITHU.

Tecendo a Manhã
(Poema de João Cabral de Melo Neto)

  Um galo sozinho não tece uma manhã:
  ele precisará sempre de outros galos.
  De um que apanhe esse grito que ele
  e o lance a outro; de um outro galo
  que apanhe o grito que um galo antes
  e o lance a outro; e de outros galos
  que com muitos outros galos se cruzem
  os fios de sol de seus gritos de galo,
  para que a manhã, desde uma teia tênue,
  se vá tecendo, entre todos os galos.

  E se encorpando em tela, entre todos,
  se erguendo tenda, onde entrem todos,
  se entretendo para todos, no toldo
  (a manhã) que plana livre de armação.
  A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
  que, tecido, se eleva por si: luz balão.
Der Moint om Stricke
 (Tradução para o Hunsrückisch: Cléo V. Altenhofen)

  En Hoohn alleen strickt noch net en Moint:
  Der braucht immer annre Hoohne.
  Von enne, wo sein Krehe gappscht, wo der
  unn en annre weiter langt; von‘en annre Hoohn,
  wo sein Krehe gappscht, wo en Hoohn ewe
  unn en annre weiter langt; unn von annre Hoohne,
  wo mit en Haufe annre Hoohne sich die Sunnfedme
  von denne sein Hoohnekrehe iwerziehe,
  fo dass der Moint, bis von en dinn Spinneweb
  sich langsam stricke lesst, unnich de ganze Hoohne.

  Unn beim Sich Sterkre in en Tuch, unnich all,
  beim Uffstelle von en Hitt, wo die renngehn all,
  beim Sich Vegniese fo se all, om Dach
  (der Moint) wo frei von Gestell in der Luft schwebt.
  Der Moint, Dach von en so liftiche Stoff,
  wo, Stoff, von selebst uffsteiht: Licht Balong.

Fonte: e-IPOL

8. É possível aplicar o ESCRITHU para outras finalidades, como por exemplo no ensino de Hunsrückisch na escola? O que precisa-se considerar para isso?

Eu já mencionei uma série de argumentos que recomendam justamente o padrão e os princípios do ESCRITHU, para implementação no ensino. A dimensão pedagógica e reflexiva sempre foi uma preocupação nossa. Mas, em si, o ensino de Hunsrückisch na escola é um tema complexo e depende da mobilização da comunidade (local e escolar). Mais preciso é, ao meu ver, defender que a “língua do aluno” merece e necessita de um espaço na escola. Faz muita diferença explicar que, na escrita de lenne ‘aprender’ (compare-se com lernen), os dois <nn> significam que a vogal que vem na frente é curta, e não longa, como em lehne ‘emprestar’, onde o <h> seguinte serve para dizer que o <e> é longo, como em Bohne, wohne, ohne, gehn, stehn, Hoohn. Enfim, promover o autoconhecimento da língua da família, como ela funciona, e dar subsídios como uma técnica de escrever lógica, para refletir e registrar os sons e estruturas da sua língua, favorece sem dúvida a aprendizagem – de modo geral – e contribui para o desenvolvimento cognitivo e a autoestima positiva dos alunos. As pesquisas estão aí para comprovar isso: quanto mais línguas conhecemos, mais facilidade temos de aprender novas línguas. Uma escrita como a do ESCRITHU serve justamente como instrumento para autoaprendizagem da sua língua. Portanto, mais do que defender o ensino de Hunsrückisch na escola, julgo importante defender a consideração e inclusão da língua do aluno nos processos de aprendizagem, no sentido de organizar o seu conhecimento linguístico e de uma “abertura para as línguas e o plurilinguismo de modo geral”. Isso vale não apenas para as disciplinas específicas de língua, mas para todo o currículo, pela razão simples de que as habilidades linguísticas desempenham cada vez mais um papel central no mundo moderno. Em todas as áreas.

Cléo Vilson Altenhofen possui graduação em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1986), mestrado em Letras pela mesma Universidade (1990), doutorado em Germanística pela Johannes Gutenberg-Universität de Mainz, Alemanha (1995) e pós-doutorado na Christian Albrechts-Universität de Kiel, Alemanha (2003-2004), com bolsa da Fundação Alexander von Humboldt. Atualmente, é Professor Titular do Departamento de Línguas Modernas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e, na pós-graduação, atua na linha de pesquisa de Sociolinguística.

Fonte: e-IPOL

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

IPOL em ação no Vale do Itajaí: Participantes do projeto Receitas da Imigração se emocionam ao receber livro

Dona Amélia Campestrini em Blumenau (Água Verde), entre Ana Paula Seiffert e Mariela F. da Silveira – Foto: IPOL

A equipe do projeto Receitas da Imigração esteve na região do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, no último final de semana, dias 30 e 31 de janeiro.

Dona Vilma e seu Osório Vicenzi em Blumenau (Ponta Aguda) – Foto: IPOL

Na ocasião, Ana Paula Seiffert (coordenadora do Projeto Receitas da Imigração) e Mariela F. da Silveira (coordenadora do Projeto Línguas de Imigração como Patrimônio: (re) conhecendo a diversidade linguística no sabor da herança culinária) visitaram parte das famílias envolvidas no projeto.

Dona Isa Liesenberg em Blumenau (Itoupava) – Foto: IPOL

Um dos objetivos da visita foi a entrega dos exemplares da obra de mesmo nome às famílias que participaram da pesquisa (clique aqui para saber mais sobre o livro). A ação, além de oportunizar o retorno da obra aqueles que participaram das atividades de campo, pretendeu divulgar alguns desdobramentos deste trabalho que vêm sendo desenvolvidos na região.

Dona Matilde Bertoldi em Gaspar (Alto Gasparinho) – Foto: IPOL

Os reencontros e a entrega dos materiais foram muito emocionantes, os participantes manifestaram muita alegria com o resultado do trabalho e o fato de verem um pouco de suas histórias e línguas retratadas na publicação.

Dona Petronilha e Seu Alfonso Baader em Gaspar (Gaspar Alto) – Foto: IPOL

O Projeto Receitas da Imigração foi realizado através de Convênio com o IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e contemplou, além de receitas culinárias trazidas, transformadas e realizadas pelas comunidades de imigrantes, também memórias e histórias da adaptação dessas populações na Região do Médio Vale do Itajaí, em Santa Catarina, no sul do Brasil.

Dona Edite Manke em Indaial – Foto: IPOL

Dentre os próximos desdobramentos do Projeto Receitas da Imigração na região do Vale do Itajaí está a realização de oficinas do Projeto Línguas de Imigração como Patrimônio: (re)conhecendo a diversidade linguística no sabor da herança culinária, contemplado pelo edital Elisabete Anderle de estimulo à Cultura 2014.

Dona Helena Tarnowsy em Indaial (Polaquia) – Foto: IPOL

O Projeto prevê a realização de três oficinas objetivando promover a educação patrimonial com destaque ao cenário plurilíngue e multicultural e às histórias das imigrações e das comunidades linguísticas da região através da culinária.

Dona Verônica Malkowsky em Indaial (Estrada das Areias) – Foto: IPOL

As oficinas, ofertadas gratuitamente, serão realizadas neste semestre na Associação dos Municípios do Médio Vale do Itajaí (AMMVI), em Blumenau-SC nas prováveis datas de 19/03, 09/04 e 14/05/2016. Em breve serão disponibilizadas as instruções para as inscrições nas oficinas no blog do IPOL.

Seu Vendelin Malkowsky em Indaial (Estrada das Areias), na casa da filha Helena Malkowsky – Foto: IPOL

Fonte: e-IPOL

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Receitas para grandes emoções



A equipe do projeto Receitas da Imigração esteve na região do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, neste final de semana, dias 30 e 31 de janeiro. Um dos objetivos da visita foi a entrega dos exemplares da obra de mesmo nome às famílias participantes do projeto (clique aqui para conhecer o livro Receitas da Imigração). A ação, além de oportunizar o retorno da obra àqueles que participaram das atividades de campo, pretende divulgar alguns desdobramentos deste trabalho que vem sendo desenvolvido desde 2012 na região.

Fonte: e-IPOL